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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Brincando com Adjetivos

  O que, diabos, elas PENSAM que estão fazendo sentadas nas minhas cadeiras? Vetustas.
  Estou em casa com as três vizinhas idosas que vieram me acolher na minha mudança. Hospitaleiras.
  Estava sozinha e elas chegam assim daquele jeito, pensando que eram de casa. Equivocadas.
  "Vamos ficar aqui só um tempinho, é tradição dar as boas vindas!". Mentirosas.
  E estão aí sentadas no meu sofá.
  Folgadas.

  O tempo passa e depois passa mais um pouco de tempo. Vagaroso.
  Elas haviam se sentado nas únicas cadeiras vazias da casa. Oportunistas.

  Uma delas questionou "Tudo bem com você?". Intrometida.
  Respondi que sim e ela aquiesceu. Indiferente.
  Então ela se levantou vagarosamente. Inepta.
  Se levantou e questionou onde era o banheiro, que ela estava super apertada para cagar. Desnecessária.
  As outras riram desta piada. Pueris.
  Eu indiquei o caminho. ela se foi na sua lentidão. Quando voltou, olhou as cortinas e comentou que na casa dela as cortinas estavam limpas. Desagradável.
  Eu sorri falsamente e ela ajeitou a dentadura na boca com dificuldade. Nojenta.
  A mulher riu, bobamente, não sei em que achou graça. Néscia.
  Daquela mulher eu decidi que não gostava. Correta.

  A segunda idosa disse que eu não me importasse, pois a amiga era assim. Tagarela.
  E continuou a falar. Sem-senso.
  Comentou sobre a vida de todos do prédio. Fofoqueira.
  Depois ela pediu que eu servisse algo para ela comer, pois estava com fome.Gorda.
  Como eu não tinha nada, pois havia me mudado há pouquíssimo tempo, disse que não havia nada.Cortesa.
  Ela disse que era um absurdo e que me ajudaria na comida quando eu precisasse. Esnobe.
  decidi que não gostava daquela também. Correta.

  A terceira não disse nada.Calada.
  Só olhou para as outras com desprezo, desejando que elas fossem melhores pessoas. Utopista.
  Depois deu um sorriso e se desculpou, se retirando. Fina.
  E puxou as amigas para fora do apartamento, se desculpando novamente. Redundante.
  Saíram então e me deixaram sozinha. Decidi então que eu gostava da terceira mulher.
  Correta.

(...)

terça-feira, 21 de agosto de 2012

As Ciganas Prometidas

  É a última oportunidade que eu tenho de andar pela rua. São as pacatas ruas da pequena vila de Prometida às quais me refiro. Logo eu iria para a capital para nunca mais voltar. As vielas eram sim pacatas e aconchegantes durante o dia. porém, à noite, elas se metamorfoseavam em ruinhas geladas habitadas pela escória ou até por gente riquíssima, porém carente. Ruelas que se tornavam palco das mulheres da noite, as ciganas de olhos sedutores e corpos de cigana. Elas são famosas nas redondezas, a sensação de Prometida; o ponto turístico de qualquer desocupado. 
  Dizem que elas faziam qualquer um delirar. Por motivos ocultos que não direi hoje.
  Mas eu me ausentarei de Prometida hoje para sempre, por motivos que não direi. Fato é que veria uma das ciganas, por presente do meu pai. presente esse que ganhei por motivos que não direi hoje. Mas foram prometidas a mim, ou era o que eu gostava de pensar, visto que o natural de Prometida era chamado de prometido.
 Chega a noite. Eu me arrumo com zelo. Estou para conhecer uma das ciganas e isso me deixa muito ansioso. Meu pai, que separou-se da minha mãe há muito muito muito tempo, por motivos que não direi hoje, já era frequentador assíduo do lugarejo noturno. Ele me apressa; irá comigo mostrar-me as ciganas.Eu as imaginava como deusas marinhas com cabelos voláteis. Suas roupas... Imaginava de um jeito que não vou descrever aqui hoje por motivos que não direi.
  Meu pai e eu saímos. Estou satisfeito. Passamos pelo açougue e Seu Flirlismindo já está fechando o estabelecimento. Segue conosco para a Viela do Beco, o point das Ciganas Sensuais. Meu pai insiste que elas não são ciganas e as descreve de um jeito tão horroroso que nem direi hoje. Ele tenta me por para baixo mas meus sonhos são fortes.
  Chegamos então à Viela do Beco e eu não vejo cigana alguma. Escuto, porém vozes e risos femininos. Meu pai me manda esperar um pouco e sai de cena.
   Então um sussurro no meu ouvido me manda ficar quieto e minha visão fica escura por motivos que só não direi pelo fato de eu também não saber. Suponho que tenha sido uma mão tapando meu olho, mas fiquei confuso.
  Sou conduzido para algum lugar fechado pois já não ouço as vozes. Deveria ser para onde estão as ciganas. Minha visão volta então ao normal e vejo uma mulher.
  Mas não era uma cigana. Muito pelo contrário. Era uma gorda toda molenga. Se imaginei uma deusa, ela era um demônio, uma assombração. Talvez uma bela assombração, mas ainda assim uma assombração.
  Perguntei onde estava a cigana e ela começou a se despir dizendo que poderia sim ser minha cigana.
  Então eu corri. Por motivos que vocês devem imaginar, mas não direi hoje. 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Golfinho do Rock


  Eu estava ali, um pouco receoso, um pouco ansioso e muito curioso. 
  Já tinha escutado, como todos da escola, conversas aterrorizantes sobre ele. Alguns falavam que ele tinha parte com muitas seitas, outros diziam que ele era alguém que fazia vários rituais para conseguir o que quer. Ninguém sabia ao certo dizer que tipo de ritual era esse. Alguns, mais obscuros, mas que provavelmente aumentavam muito a história, diziam que ele era satanista. 
  Como bom cristão que era, eu no mínimo eu tinha receio em conversar com ele.  
  Fato é que ele usava roupas diferentes do que a maioria de nós estava acostumada; camisas pretas com medonhas estampas, calças rasgadas ao extremo e coturnos pesados nos pés. Quando não eram os coturnos, eram tênis All-star bastante surrados. Isso compunha o visual diário do estranho novato. Mas, apesar de suas roupas parecerem passar a mensagem: “Se afaste, ou vou te matar agora mesmo!”, seu rosto simpático e amigável dizia exatamente o contrário. Suas feições eram as de um adolescente normal, como nós, que batalhava para conseguir o que quer, não eram feições de um sociopatazinho de merda – desses que se sentem na obrigação de ignorar completamente os outros seres humanos – ou de alguém que consegue tudo facilmente com seus rituais satânicos. Suas feições – nariz anguloso, torto como um pequeno bico de pássaro, olhos observadores e boca de lábios finos que viviam num sorriso meio estranho mesmo quando ele estava sério – na verdade lembravam as de um bom golfinho.
  Eu adorava golfinhos. Desde sempre. Na minha infância, quando eu via as reportagens sobre a inteligente comunicação dessa espécie e desenhos em que apareciam golfinhos, principalmente aquele chamado Free Willy – abrasileirado para (hehehe) friuili - eu ficava extremamente empolgado.
  E sempre quis ter um golfinho amigo, apesar de que acho que estaria contente de ter um amigo golfinho apenas. Por morar em Minas Gerais, meu contato com o próprio mar já era extremamente reduzido, imagine só com golfinhos selvagens.
  Imagine então a minha felicidade, minha realização de um sonho de infância, ao ver uma pessoa que realmente parecia-se com um golfinho!
  Restava fazer com que ele virar meu amigo.
  Eu sempre tive aquela vontade de ser o simpático anfitrião que era o primeiro a falar com os novatos e apresentava-os para o resto da turma. Isso funcionou muito bem com todas as pessoas até agora. Mas nenhuma delas tinha esse visual cuja descrição é exatamente a que eu usei acima: “Se afaste, ou vou te matar agora mesmo!”. Nenhum deles tinha essas conversas relacionadas a seitas ou satanismo.
  Coincidentemente, neste dia eu estava usando um colar desses de praia que eu havia ganhado. Esse colar tinha três golfinhos entrelaçados, quase como o símbolo de “Retornável”. Decidi que não podia deixar esta oportunidade passar. Logo decidi também que eu tinha que abordar o roqueiro de um jeito diferente do “Oi, meu nome é Fulaninho, e o seu?”. Fiquei olhando para ele durante a aula, tentando bolar um jeito de como me apresentar. Ele ocasionalmente me olhava, mas depois de algum tempo, ele deve ter começado a achar algo realmente estranho no ar, pois quando meus olhos de ser humano e os olhos de golfinho dele se encontraram, ele estreitou-os para mim, como quem estivesse atirando para matar. Realmente não consegui entender. Tampouco eu entendi como olhos tão interessantes como os de um golfinho conseguiam se estreitar com aquela expressão. Freei a mim mesmo, lembrando-me que ele era um ser humano como eu, só lembrava, bem de longe, um golfinho.
  Lá por uma hora, mais uma vez ao pensar no modo como faria amizade com o carinha, eu olhei para o colar. E então me lembrei novamente que ele era um golfinho e que ele se sentiria lisonjeado se eu lhe dissesse isso.
  Respirei fundo, fiz o relaxamento muscular que aprendi na aula de canto e fui andando em direção a ele.
  Ele ainda não tinha me visto. Eu cutuquei o ombro e ele olhou para trás. “Oi!” eu disse. Ele só me olhou com uma expressiva cara de golfinho que devia significar que era para eu desembuchar. “Meu nome é Fulaninho, e o seu?” ele mais uma vez não me respondeu. Droga! Eu sabia que não ia dar certo esse tipo de abordagem amigável. Em um segundo fiz o que estava planejando. Exclamei: “Ei, sabia que você se parece muito com um golfinho?” ele parou de encarar e fez-me uma cara indagadora; que eu queria insinuar com aquilo? Eu resolvi concertar, pois provavelmente ele havia levado para o pessoal. “Mas não se preocupe!” disse eu “Eu adoro golfinhos! Olhe só para esse colar meu! São golfinhos...!”
  Ao ser ignorado a gente sente certo pesar. É chato ser ignorado, principalmente quando não se sabe a razão.
  Hoje eu tenho um amigo golfinho. E descobri o motivo pelo qual eu fui ignorado; ele me disse que naquele momento, pensou que eu estava cantando ele. Disse que não tinha nenhum interesse por pessoas do mesmo sexo, então saiu. E eu nem havia pensado nessa possibilidade durante todo esse tempo.
  Hoje eu tenho um amigo golfinho. E roqueiro. E ateu – apenas ateu, não satanista, como diziam os ridículos rumores. E alguém muito legal, uma pessoa que me aconselha, me ajuda e me pede conselhos. Um amigo. Roqueiro. Mas principalmente golfinho.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Os Conflitos de um Herói

  Não seu se alguém reparou isso, mas todo herói – fictício ou real – tem que passar por um momento de grande conflito interior para então se tornar um herói propriamente dito. Conflitos ao ver todos os planos darem errado, ferindo tudo o que ele mais preza. 

  Este é o momento no qual ele se questiona se fez as escolhas certas; o momento em que ele olha para trás e decide não cometer os mesmos erros.
  As pessoas comuns, que não são heróis nem nada parecido – a senhorinha do clube de costura, o atendente de uma loja de moda terminada em “apóstrofo + s” qualquer, o batalhador funcionário - agora desempregado - de uma empresa, que foi demitido em função de alguma revolução tecnológica e não ter destreza em operar as novas máquinas – também passam por este tipo de conflito. E não são poucas vezes. Infelizmente o ser humano é suscetível a erros. E se são erros, são atos dos quais vamos nos arrepender no futuro. É quando chegamos ao conflito interno abordado.
  É um ciclo. O mundo gira, os tempos mudam, as crianças crescem e logo aparece uma tia chata para comentar o grande avanço no amadurecimento do indivíduo, a tecnologia evolui. A padaria sempre vai vender pão, mesmo que chegue ao posto de supermercado. A natureza vai sempre insistir em dominar, mesmo que tentemos erradicar sua existência explorando mais e mais. E, seguindo este raciocínio, veremos que o ser humano, filho da teimosia, sempre vai tomar alguma cacetada qualquer para aprender.
  A inteligência, é analisada à partir disso; os mais inteligentes são os que aprendem com os erros dos outros. Já os idiotas são os que batem de frente com o mesmo assunto durante, muito tempo, os que levam chibatadas morais a todo instante e nunca aprendem. Se você pertencer a esta última categoria, em primeiro lugar, não se sinta ofendido. É um pensamento antigo (deu certo até hoje, se serve de consolo). Tente ser mais flexível, mais aberto a novas experiências.
  Retomando a minha idéia inicial sobre os conflitos internos de um herói, o que quero dizer não é para amenizar, ou extinguir o seu conflito. Muito pelo contrário, sou a favor de quem sente tudo muito intensamente. Reafirmando minha idéia do parágrafo anterior, idiota não é quem tem o conflito. Idiota é quem tem muitos conflitos sobre um mesmo assunto. Quero mostrar que por mais tempo que seu conflito dure, mesmo se for muito intenso, é benéfico.
  Usarei como exemplo um relacionamento que um amigo meu teve há um tempo. A menina era sua xará, o que tornava tudo um pouco ridículo.
  Foi daqueles relacionamentos nos quais com uma semana tendo uma relação apenas com beijinhos e conversas, o idiota do menino apaixonado pede em namoro a pequena, crente que vai dar certo e durar. Durante o namoro, ele se entrega. Apresenta a namorada à mãe e quer algo sério. Começa a fazer para ela uma grande surpresa; uma carta imensa que pretendia dar a ela acompanhada de um buquê das mais cheirosas flores e de uma pelúcia, para comemorar o aniversário de um mês. Quer um namoro sério. Sério ao ponto de isso começar a assustar a garota. Então, antes do aniversário de um mês, a menina começa a tratá-lo de um modo diferente, tentando se afastar. Mas não tem problema; é uma forte TPM ou algum problema familiar que ela prefere não comentar... ele a ama e continua tratando-a com respeito e carinho.
  Porém, pouco tempo depois, a convivência torna-se uma vilã, o desgaste moral se manifesta e ele decide seguir o conselho de um amigo e terminar a relação. E termina.
  Numa tarde chuvosa, depois de o romântico garoto ficar triste e fortemente abalado, decide usar a churrasqueira da casa. É quando ele se vê numa cena digna de um horrível final de filme de comédia romântica, jogando tudo (a carta, o urso e o amor que sentia) dentro da churrasqueira, despejando álcool por cima de tudo e atear fogo cantando “Set Fire to the Rain”, da Adele. Quando percebeu o quão ridículo parecia, entrou nesse conflito interno. Quando saiu, três semanas depois, tinha decidido estar por cima em qualquer outro relacionamento que tivesse. Isso não significa que seria seco, ou ignorante, significa que não se deixaria enganar da próxima vez.
  Para finalizar, gostaria de dar um conselho a você, leitor: Não reprima jamais o que está sentindo e não tente parar o seu conflito interno, a menos que seja o segundo, ou terceiro, ou quarto sobre o mesmo assunto.
  Esse conflito é como um casulo do qual vai sair uma elegante borboleta. Saia como essa borboleta. Ou como um verdadeiro herói.