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sábado, 20 de outubro de 2012

A Cidade-Sobre-A-Bolha


O dia começou como qualquer outro para os habitantes da Cidade-Sobre-A-Bolha. Já um pouco muito abafado. Já um pouco muito barulhento. Tudo por causa da poluição excessiva, da urbanização excessiva. O asfalto, que rescendia o fedor da chuva ácida de ontem, seguia na maior parte das ruas e quase fazia os cidadessobreabolhenses se esquecerem da imensa instabilidade da bolha que os sustentava.
  A Bolha estava lá desde sempre e a cidade fora arduamente construída sobre ela. Granito e pedra sobre a fina película que revestia a Bolha; uma escolha não muito sábia, mas que, uma vez feita, não havia volta. Isso fez com que os cidadãos se organizassem de tal modo que a Bolha nunca estouraria. Ou eles pensavam que sim. Tudo acaba um dia. Enfim, o grande avanço da arquitetura e da engenharia civil permitiu que pilares e túneis fossem construídos no interior da Bolha. Foram desenvolvidos também os Remendos de Bolha, tecnologia que os permitia consertar um furo aqui e outro ali. 
  Foi quando a população se acostumou, se acomodou. Então, eram cada vez mais visíveis os Remendos de Bolha, aqui e ali, salpicados sem muito planejamento. Remendos de Bolha estouravam e remendavam por cima do Remendo. O asfalto chegou e os Remendos de Bolha passaram a ser Remendos de Asfalto.
  No dia atual, ninguém pensou muito no estado da Bolha, no risco que corriam ali em cima. Estavam mais preocupados com seus afazeres, seus compromissos. A Bolha não estourara até hoje, porque se preocupar, então...?
  Eis que chega o forasteiro nesta Cidade-Sobre-A-Bolha.
  Um Forasteiro desavisado em uma cidade onde não encontraria ninguém para explicar-lhe que existia um certo perigo, ainda que pequeno. Todos acordaram confiantes demais, sem preocupações com isso. Ele, alheio a tudo e a todos (e todos alheios a ele também) com o seu novo fone de ouvido, com sua animada música, encontra uma área onde a Bolha estava exposta. Empolgado, começa a seguir a canção e a pular, enquanto anda sobre o frágil e transparente chão. 
  E um centésimo de segundo depois, a bolha se rompe e o pobre turista cai dentro dela, aproveitando a última grande queda da sua vida e já colocando em perigo toda a população.
  O ar da Bolha está vazando incontrolavelmente. Logo o GRB - Grupo de Remendo de Bolha é acionado. Logo estão ali, dando o melhor de si. O buraco aberto pelo Turista logo se torna um rasgo, uma grande rachadura, que estava além da capacidade que o GRB tinha de consertar. 
  A notícia é dada e logo chegam repórteres e pessoas que, saídas do seu transe do dia a dia de trabalhadores-máquina, percebem o real perigo e se aglomeram ali próximo, quebrando uma das principais regras da cidade: não concentrar muito peso em um só lugar. Pessoas, carros, animais... Toda a população já estava ali.
  A Bolha não aguenta tanto peso sobre ela e enfim, depois de tanto tempo, estoura definitivamente.
  Os cidadessobreabolhenses vêem o chão sumir dos seus pés como um passe de mágica a assim, toda a Cidade-Sobre-A-Bolha rui, apesar de tanto avanço tecnológico.

(...)

domingo, 7 de outubro de 2012

Amores de Praça



Quando a vi, foi admiração.
Eu andava calmamente pela praça. Caminhava satisfeito com a vida. Mas, quando a vi, fiquei insatisfeito no mesmo momento. Insatisfeito por ainda não conhecer aquela pessoa.
Sentada num banco da praça, como que brincando com a sorte. Pelo seu olhar, dava visivelmente para notar que ela não se importava muito com o que os outros diziam, falavam, pensavam. Ela viva a seu prazer, do jeito que queria. Mas, claro, eu não a conhecia, então não deveria nem estar pensando nisso.
Mas foi admiração. 
Ela olhava para tudo e para nada, para um ponto e para todo o universo. Não se importava como outrem porque sorria ternamente com os lábios vermelhos. Brincava com a sorte porque tanto fazia se estava ali naquele banco ou no Palácio de Versalhes, estaria feliz, estaria no seu mundo.
De repente, tirou um livro da bolsa. O meu preferido. Agora era vontade de conhecê-la melhor. 
Aproximei-me, meio que inseguro. Os cabelos estavam presos em um coque desajeitado, e por isso mesmo, mais apaixonante. Uma maquiagem sutil e delicada chamava atenção nos seus olhos.
Delineador verde era o que usava. (Uau, como eu sabia o nome daquilo?).
Aproximei-me meio inconstante, um passo por vez, fazendo hora para aquele momento durar muito. Ela estava entretida em seu livro – meu livro, nosso livro – e não notou enquanto eu estava me aproximando.
Nosso livro? Ok, eu precisava parar com aquilo. Eu nem conhecia a garota e já estava apaixonado? Ela usava um vestido simples, digno do calor que fazia. Flores estampavam cada respiração.
Sapatilhas verdes como o delineador estavam visíveis, mesmo com a posição um pouco estranha dos pés. Mas por mais estranha que a posição parecesse, ainda assim era linda.
E fui me aproximando. Não sei bem o que eu planejava fazer, se era dizer meu nome e me tornar amigo e, quem sabe, algo mais do que amigo dela, se era me sentar ao seu lado e ler junto, ou recitar alguma frase do livro. Mas, mesmo assim me aproximei.
Ela, com seus olhos um pouco fechados, desviou o olhar das páginas amareladas, como que para absorver uma das frases que acabara de ler. E me viu...
Infelizmente, ela não me viu com os olhos que eu a vi. Ela me viu com os olhos de menina de classe média que fora, desde sempre, advertida pelos pais para não dar atenção para qualquer estranho, pois ele podia muito bem ser um ladrão ou um vagabundo.
Então ela, lenta, porém tensamente pegou suas coisas e saiu de perto do banco.
Ela fugiu de mim.
E eu... Eu me sentei no banco, triste, porque nunca mais conheceria alguém assim.

(...)

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Epifânico


  A tal epifania. Ela vem sorrateiramente e se esgueira para dentro da sua imaginação... Hoje estou num de meus dias epifânicos. Só que esses dias, no meu caso são quase um problema.
  Ter uma dessas não é tão comum para a maior parte das pessoas... nem ter uma assim tão forte.
A epifania, definida como "aparição ou manifestação divina", ou simplesmente "revelação", nada mais é do que uma sensação legal, gente-fina, que te dá a cura para o bloqueio, que às vezes te dá até a solução para alguns problemas. É algo lindo, ótimo. Exatamente aquela lanterninha que aparece sobre a cabeça dos personagens de desenho animado quando estes têm uma ideia. Quase como se, depois de muita procura, a pessoa encontrasse a última peça do quebra-cabeças. 
  Contudo, como tudo na vida, se for demais é sobra. E no meu caso, as epifanias vêm gritantes a ponto de incomodar. E em momentos inadequados.
  De repente, vejo surgir na minha massa cinzenta muitas ideias para começar histórias, escrever textos, músicas, tocá-las, pintar quadros, fazer desenhos. E, comigo, geralmente é em algum momento muito inoportuno, como quando eu estou voltando à pé para casa sob o sol castigador de meio dia, ou quando eu não tenho como fazer nada do que estou com vontade. Se pego caneta e papel, logo vejo surgir um desenho bem ali. (pensando assim, toda a minha infância deve ter sido um momento de inspiração, visto a quantidade de desenhos que minha avó tem guardada)
  É um pouco desesperador, saber que todas aquelas boas ideias estão indo pelo ralo e que eu realmente não posso fazer nada além de tentar andar depressa e terminar o que quer que eu esteja fazendo para escrever/desenhar/pintar/fazer-seja-lá-o-que-for e tentar permanecer no meu estado epifânico.
  Acredite, é algo a que se pode dar corda, assim como brinquedos. Se a epifania vier e gritar e você der atenção a ela, ela te levará longe. É daí que surge toda a inspiração. E é por isso que nenhum artista jamais irá saber explicar certamente de onde a ideia para a sua obra-prima surgiu. Muita gente acha que o presente de Deus para a humanidade é o arco-íris, ou o número de ouro, mas, para mim, estes momentos epifânicos são o real presente. Posso apostar (até por que ninguém nunca vai conseguir provar se estou certo ou errado) que muitas das maiores invenções que fazem ou fizeram parte do nosso dia a dia foram feitas assim, em estado epifânico.
Mais uma epifania...!
  Quanto às minhas epifanias, vou continuar tentando apressar os compromissos para dar corda logo a elas... Talvez assim consiga encher o Tatu com mais e mais textos.
  Quanto à sua epifania, não duvide dela. Pode ser que não seja como a minha, mas, sim, ela vem. E não é necessariamente relacionada à arte. Pode ser que seja a solução dos seus problemas pessoais batendo à sua porta. Só resta abrir. Em momentos assim, procure um amigo. Ou fique sozinho. Ou entre no Tatu e olhe os textos novos que vou postar com meus momentos epifânicos que ainda estão por vir.

(...)