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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A Língua

  Era uma vez a Língua.
  Ela morava desde sempre numa boca que era habitadas por muitos dentes. Porém, apesar de serem velhos conhecidos seus, não tinha amizade com nenhum deles. Quem se importava? Era boa o suficiente sozinha! Era a única que conseguia alcançar o céu da boca. Sem contar que ela não gostava nem um pouco de nenhum dos dentes.
  Haviam dentes de todos os estilos. Uns estavam caindo. Outros estavam brancos e lisos, quase perfeitos. Outros podres com buracos que permitiam ver por dentro deles. Outros amarelados.
  A língua, desde que se lembrava, tinha sido a porta voz dos dentes. O Ciso, quando queria dizer algo ao Incisivo, gritava:
  -Língua! Venha cá!!! Preciso que você fale algo ao Incisivo para mim! É muito longe até lá!
 E era ela quem dava o recado. Por muito tempo, deu os recados com esmero e trabalho duro. Depois os dentes começaram a abusar; por ela estar sempre levando e trazendo recados, eles mandavam cada vez mais e mais. O Pré-Molar gritava:
  -Língua! Venha rápido, sua inútil! Fale lá com o Molar que ele não serve para nada!
  Ela ia, como que escrava. O Molar respondia:
  -Fale com o Pré-Molar que ele só tem "Pré" por ele pré-parar a comida que chega para mim!
  -Fale para ele, Língua, que eu estou mais à frente, então sou mais importante!
  -Pois diga para ele, Língua, que sou eu quem trituro a comida de verdade!
  -Então, Língua, diga para ele que sou eu quem recebe mais escovação então...
  Então a Língua reparara que eles estavam um ao lado do outro e podiam muito bem dizer um ao outro essas coisas. Se afastou, chateada.
  Estava começando a se cansar de ser garota de recados.
  Consequentemente, a Língua sabia tudo da vida de todos os dentes. Sabia, por exemplo que o Canino odiava o grupinho dos Molares Inferiores. Sabia da grande amizade entre o Pré-Molar Inferior com o Incisivo Superior e isso era complicado, pois um morava embaixo do outro e ainda assim, só se falavam por intermédio dá língua
  Como dito, todos os dentes começaram a abusar da pobre Língua.
  Então ela se rebelou e decidiu parar de ser "a pobre Língua". Começou então a espalhar de dente em dente algum podre do outro. Começou a fofocar como louca, na intenção de ver se eles se matavam ou se desafiavam para um duelo em que restasse só ela.
  -Sabe, Incisivo, o Pré-Molar disse que você é falso e que ele na verdade não gosta nem um pouco de você... - foi até o Pré-Molar e disse:
  -Pré-Molar! Você não imagina o que o Incisivo anda comentando de você! Disse que você é um amigo muito falso!
  Envenenou assim, a amizade de todos os amigos e ajudou a piorar o ódio entre os inimigos. Só não pensou em uma coisa: Estaria no meio de fogo cruzado.
  Depois que todos os dentes estavam com raiva de todos, ela se aquietou e sorriu, esperando. Logo começaram a gritar entre si. Que bom! Agora não passaria mais por garota de recados.
  Mas, durante a noite, quando tentou dormir, ela não conseguiu. Todos os dentes ainda estavam gritando e discutindo.
  -Pré-Molar!!! Você é um falso!!! Nunca mais converse comigo!
  -Não conversarei mesmo com você depois do que falou de mim!
  -Não disse nada sobre você!
  -Disse sim! A Língua me contou!
  -Pois a também Língua me contou que você me odeia!
  Com os que já eram inimigos não estava pior. O Canino enfrentava sozinho uma discussão com todos os Molares Inferiores, não era uma proeza muito grande, visto que eles não era lá muito inteligentes:
  -Seus inúteis! Simplesmente não prestam pra nada!
  -O que foi que você disse?
  -É, repita!
  -Que não prestam para absolutamente nada!
  -O quê?
  -É, repita!
  -Além de tudo são uns burros!
  -O quê?
  -É, repita!
  -Ah, vão catar as suas cáries, já que estão cheios delas!
  -O quê?
  -É, repita!
  -A Língua me disse tudo! Me disse que vocês estavam querendo brigar!!!
  -O quê?
  -É, repita! Espere! Ela disse isso a nós também!
  E assim, os olhares de todos os dentes foram dirigidos à Língua.
  -Foi você! - disseram - Você nos envenenou! Iremos te tirar daqui!
  A Língua sorriu e disse:
  -Vocês não conseguirão.
  -Você quer apostar?
  E os dentes morderam e trituraram a Língua.

E era uma vez a Língua.

(...)

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