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quinta-feira, 4 de abril de 2013

Urgência

  Urgência. Precisa ser agora.
  Nessa maldita república nenhum deles me respeita. Talvez por eu ser a única mulher. Talvez por nenhum deles ser nem um pouco organizado. Mas fazer o que? Nem me lembro exatamente como, mas sei que vim parar aqui, morando com essas pestes. 
  Tento desviar o pensamento pra outra coisa. Já que estamos sentados aqui na sala no sofá velho, decido contar quantos estão aqui. Um, dois, três... Cadê o quarto? Sabia. Sumiu. Deve estar lá, no cômodo que mais preciso no momento.
  E foi só meu pensamento voltar ao tal cômodo que a urgência voltou, com a mesma força, ou até mais forte. Só pensava numa coisa: "Banheiro."
  E agora, o que eu faria? Só havia um.
 O maior problema nem era apenas os garotos ali, ou o outro cantando Raul desafinadamente ali no banheiro. Mas Raul é desafinado mesmo, né...?
  Estou perdendo o foco, não estou contando a história de como acho Raul Seixas desafinado. Estou contando a história da situação vergonhosa pela qual estou passando, a tal história da vontade de ir ao... A urgência voltou. Que ódio. Mas tem visita na sala também; a namoradinha irritantemente patricinha de um deles. Daquelas garotas que acham nojento comer um sanduíche com as mãos.
  Vou segurar. Estou segurando. O outro ali no banheiro não para de cantar. Tento me concentrar na música: "Controlando a minha maluquez..." pronto. Não dá mais pra segurar. Me levanto, atraindo o olhar de todos. E agora? O que fazer? Pra onde ir? Me sento de novo. Todos começam a rir. Devem estar achando bem engraçado mesmo. Esses egoístas. Não sabem o que estou passando.
  De repente me lembro: no apartamento, temos uma pequena varanda, onde temos um pequeno vasinho com uma pequena planta. Se eu... Não isso não ia dar certo; a varanda é visível de todos os pontos da rua.
  Mas... Urgência. Banheiro. Se eu fosse homem, não iria ser tão ruim, poderia me aliviar na pia da cozinha. 
  A pia da cozinha... Não, também não ia dar certo; a cozinha era aberta, conjugada com a sala.
 Mas... Urgência. Banheiro. Num momento de desespero, decidi que era melhor a cozinha do que a varanda. 
  Me levantei gritando e apontei pra varanda: "Vocês viram aquilo?" gritei. Todos olharam curiosos. Ia dar certo. Continuei minha encenação desesperada e pouco convincente: "Alguém passou por ali! Alguém pulou do andar de cima!" - foi o melhor que consegui pensar. Todos se levantaram e foram conferir. Até a tal namoradinha. Quando um deles virou para trás e me perguntou se eu tinha mesmo visto, acenei freneticamente com a cabeça e convenci a todos que era melhor descer e conferir se o corpo não caíra num ponto que não era visível da varanda. Eles concordaram. A tal namoradinha disse que ia ficar para ligar para os bombeiros. Eu disse, irritada: "Vá você também! Você faz medicina ou não?!" 
  Ela saiu chorando e desceu as escadas com os meninos. Sabia que eles não iriam encontrar nada, mas preferia ser chamada de louca a continuar naquele sofrimento. 
  A pia! Nunca estive tão feliz por estar só. O único meio que encontrei foi subir e apoiar meus pés na pedra da pia. E se quebrasse? Ah, tarde demais. Já estava... ah... me aliviando. Feliz, desci de lá e liguei a torneira para que a água corrente limpasse tudo. Era sim um pouco nojento, mas valeu a pena.
  Sorrindo, me virei. 
  O tal cantor do banheiro estava parado, enrolado na toalha. Estava gargalhando, aquele filho de uma mãe. "Por que você não saiu antes?!" berrei. Ele apenas continuou a rir.
  
(...)