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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Uma Menina

  Molar brincava com a boneca pela nona vez naquela mesma noite. Era curioso ver uma garota daquela idade ter tanta destreza com trabalhos manuais. Trocava as roupas da boneca com incrível e num tempo recorde, tudo à luz da pequena lanterna sob o lençol. Brincava com a boneca como se o pano grosso e espesso que era sua pele fosse o plástico rosa e delicado daquela Barbie que vira na loja de brinquedos, brincava como se seus olhos de botão e sua boca bordada fossem parte do rosto da mais bela mulher que conhecia.
  Era curioso ver aquela cena e, no entanto, ninguém via. Era sozinha no mundo e isso a amedrontava muito, talvez por ser tão óbvio.
  Por esse motivo, Molar gostava também de espetar agulhas na sua boneca.
  Não que tivesse alguém específico em mente... faz parte de estar sozinha no mundo. Mas ela gostava de imaginar que estava se vingando de seus coleguinhas que a desprezavam, de seus professores que a subestimavam, dos inspetores que a prendiam, dos pais que a abandonaram, do mundo que a recusava, enfim. Espetava agulhas pois não tinha algo mais violento em mente. Não havia nenhuma vingança propriamente dita ao seu alcance, então enfiava agulhas na boneca.
  A boneca era muito peculiar. Era uma tentativa de fazer uma boneca fina e delicada a partir de um saco de estopa. Uma tentativa que deu errado, obviamente, e a delicadeza ficou muito macabra. Os olhos eram botões, cada um de um tamanho e um tom diferente, o maior brilhante e o menor fosco.
  O nariz era o encontro das duas metades de tecido, dividindo o rosto da boneca ao meio. A boca não passava de um coraçãozinho vermelho mal bordado.
  De braços e pernas disformes e um cablo de barbante laranja curto e puído, a boneca assustava a todas as crianças. Exceto a Molar. A garotinha de 5 anos via naquela boneca a família que nunca tivera. Adorava imaginar a procedência dela:
  -Foi da minha avó. - dissera uma vez a uma moça loira - A mãe dela que fez. Aí ela deu pra minha vó que deu pra minha mãe que me deu.
  Mesmo assim gostava de espetar agulhas nela. Ela tinha a grande vantagem de não questionar o motivo das coisas. 
  "Quem conta um conto aumenta um ponto." Encabulada com essa expressão, Molar aprendeu a sempre aumentar uma pessoa na família ao contar a história. Assim, a mesma loira escutou o mesmo caso, um mês depois, como a boneca estando na família da menina há 9 gerações. Nos apoiamos em ficções quando nossa realidade não vai tão bem.
  E Molar não entendia sua história. Segundo Dona Clávis, que sempre vinha uma vez por semana com seu coque impecável e seu batom laranja da cor do cabelo da boneca quando limpo, a menina fora encontrada numa manta com a boneca, na porta do Instituto. 
  Mas ela preferia não questionar as coisas. 
  Ao invés de se estender nesses assuntos, Molar pegou a boneca, foi ao pátio do Instituto e pôs-se a brincar feliz da vida.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Ato Opaco

É paz? – Ele pensa
Essa confusão, essa confluência enigmática que perturba a alma...
Não pode ser paz.
É indecisão, então?
O mesmo fatídico fato que sempre se repete...
Que sempre insiste em se manifestar...

Desvão. Em silêncio, ele cai.
Um mundo por seres obscuros habitado.
E o assombram todos de uma vez
Monstros que desde o início acompanham a humanidade.
Medo, moça, isso que ele sente.
Por isso a luz turva. Pra esconder.

A máscara de Arlequim o cobre a metade do rosto
A de Jekyll cobre a outra.
Numa escuridão burtônica
O moço se dissolve e a aquarela perde a cor.

Do mirante submerso olha o horizonte das memórias.
Ainda vale à pena?
Shhhhhh…
Be quiet, my dear, be quiet.

Pois isso nunca vai mudar, vai?


(...)

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Ensaio do autor sobre o Novo

  O novo. Na virada de ano as pessoas recepcionam o ano novo com disposição e esperança. Por quê?
  Por que existem tantas variações de como as pessoas encaram o novo em outros pontos da vida? Novo pode ser amedrontador. Novo pode ser chance. Pode ser triste, feliz. Tudo dependendo da forma como for encarado. Não estou aqui para fazer estudo sociológico ou nada parecido, afinal não sou ninguém nessa área para que possa ficar dando uma de cientista social. Sou um mero escritor sonhador, que observa alguns detalhes do mundo ao seu redor.
  O medo que muitos têm em relação ao novo desaparece no Reveillon. Me pergunto o motivo. A leve amnésia que a adrenalina da contagem regressiva provoca? O álcool? As superstições? As promessas? Não acho que esteja entre estes. A energia que flui no fim de ano, englobando também o Natal é bastante incomum e eu sempre tenho a oportunidade de vivenciar provas disso. Atos incomuns de ajuda e amor são feitos sem pensar muito. As pessoas ficam mais humanas. Como não acreditar que há qualquer coisa além de nós, ao menos nessa época?
  Mas não quero convencer ninguém de nada. O Novo decerto é algo diferente. 
  Aposto que você que perde seu tempo lendo essa merda aqui (há outras coisas bem melhores neste blog, perca seu tempo com elas - cada palavra sublinhada é um link pra um texto melhor, meu leitor, isso é só uma inflexão que quis compartilhar com algum louco qualquer) tem alguns planos e sonhos pra 2014. Espera uma reviravolta na sua vida, seja a financeira, a emocional. É bom que lembre então de recepcionar essas mudanças que tanto almeja como recepcionou o novo ano. Não digo pra festejar com champanhe e fogos de artifício, mas lembre-se da sensação que teve diante do Novo que é o ano de 2014.