Um dia, Chico relaxava ao lado do painel que era seu ganha-pão, cheio de brincos, colares, pulseiras e anéis. Era uma tarde ensolarada de uma praça qualquer. Ele observava os transeuntes apressados e agradecia por não fazer mais parte daquilo. Foi quando o diálogo de um grupo de adolescentes no banco ao lado lhe chamou atenção:
-Me pergunto - dizia um dos adolescentes - se os vendedores das lojas de móveis lembram-se de muitos fregueses. - os outros riram, não entendendo a profundidade da indagação do primeiro. Ele continuou - É sério! Imaginem um casal jovem comprando a mobília de sua casa, até então vazia. É a realização de um sonho! O que estes móveis representarão para eles! Neles, eles construirão um lar, edificarão uma família! Quantas e quantas vezes vão se sentar àquela mesa que estão comprando agora, quantas vezes se jogarão naquele sofá, cansados, e tirarão os sapatos? Quantas vezes vão arrumar as roupas dentro daquele guarda-roupas?
-Quantas vezes transarão naquela cama?
-Ah, cale a boca.
-Isso também! Mas entenderam o meu ponto de vista? Será que o vendedor tem noção de que o que ele vende ali é o lar que vai acompanhar o cotidiano daquele casal por anos? Será que esse vendedor se lembra dos olhares e dos sorrisos dos seus clientes?
Um senhor idoso ia passando por ali e ouviu estas últimas palavras. Voltou à turma e pediu licença para sentar-se com eles por alguns instantes:
-Perdoem minha intromissão, meus jovens, e não me julguem sem lucidez. Sou velho e sem muito horizonte na minha frente, ao contrário de vocês. Não pude deixar de ouvir o comentário desse curioso e perspicaz amigo de vocês. Estava falando sobre qual vendedor, meu rapaz?
-Sobre o de móveis.
-Do de móveis não sei lhe falar. Só digo-lhes que o único vendedor que se lembra dos seus clientes é o que faz o que faz por amor. Fui vendedor de balas, pipocas e algodões-doces. Pode parecer exagero, mas lembro-me do sorriso de cada criança e do abraço de cada casal que comprou algo na minha mão. Não posso dizer que lembro-me com detalhes de todos, pois foram 20 anos, mas guardo-os todos aqui no meu coração. Talvez pela sincera felicidade e satisfação no rosto de cada um. Vi meninos e meninas crescerem e voltarem a mim com as pessoas que amaram. O vendedor de móveis que ama vender móveis talvez se lembre do sorriso de alguns clientes e os guarde no coração. Quando atingimos uma meta, seja comprar uma bala, seja comprar a mobília, nosso sorriso é tão sincero e inocente quanto o de uma criança. É a beleza de ser humano.Quando se vive por coisas pequenas, quando se sobe um pequeno degrau de cada vez. Agora, tenho que ir que Glória me espera. Até mais!
O velho se levantou e deixou os adolescentes e Chico silenciosos a refletir. Levantou-se da vida deles para nunca mais aparecer, e aí ficou a beleza e o mistério. Quem era esse velho? O que vivera? Quantas pessoas ajudara, com quantas brigara? A vida de Chico estava cheia de encontros assim. Como duas formigas que andam, se cumprimentam e seguem seu caminho, apesar de pertencerem ao mesmo formigueiro, que é ser humano, com todas as suas semelhanças e unicidades.
Como que para lembrar Chico Samba que ele tinha um certo compromisso com a vida que escolhera, uma moça de saia estava parada defronte o painel e perguntou:
-Quanto é este colar?